Sexualidade e cultura(s)
A vivência da sexualidade e a sua relação estreita com o próprio conceito de saúde prendem-se muito com a cultura, em geral, usos e costumes das populações, dos locais e zonas do planeta em que se encontram. Esta relação traduz-se, desde logo, nas designações adotadas, no que é aceite como regular ou problemático, ou no que é considerado importante ou inapropriado.
Se, num ponto do planeta, a dor na relação sexual para a mulher é tolerada e a perda de desejo após a menopausa é normalizada, noutro são estudadas e tratadas como doença, com vista a melhorar a qualidade de vida. Se, no seio de uma comunidade religiosa, ser aceite como homem implica passar por uma circuncisão e ser digna como mulher implica sujeitar-se a uma “modificação” genital, essa ideia pode ser inaceitável na comunidade vizinha. Se, algumas gerações atrás, a gravidez e a parentalidade eram objetivos inadiáveis para um jovem casal, hoje podemos ajudar mulheres e homens a sentirem-se realizados com uma sexualidade saudável e preservada ao longo do ciclo de vida, com espaço e liberdade para as suas próprias aspirações. E se, no seio de alguns grupos, as preferências sexuais e a gestão dos relacionamentos podem fazer da pessoa vítima de vergonha, estigma ou culpa, levando-a a retrair-se, até, de procurar ajuda médica, noutros meios, e sobretudo num ambiente profissional especializado, cada indivíduo pode encontrar a compreensão e aconselhamento de que precisa para se sentir bem na sua intimidade.
Aqui chegados, muitos poderão sentir que têm a sorte de viver numa sociedade moderna, com famílias e amigos de “mente aberta”, livres de pressões religiosas e políticas. Têm tudo para viver uma sexualidade gratificante… ou poderão estar, desafortunadamente, enganados!
Muitos indivíduos são, ainda, vítimas da sua própria consciência (subconsciente?). A razão encontra-se, em parte, na genética.
Algumas redes de neurónios conferem-nos um caráter meticuloso, preocupado com a perfeição, a higiene irrepreensível ou um imenso escrúpulo. Outras vezes, o meio em que crescemos também nos moldou assim. Poderão constituir agentes dessa influência os conselhos de castidade de uma zelosa avó; as graçolas sobre virilidade do tio mais machista; as lições aterradoras sobre “doenças venéreas” de um professor cáustico; os cartazes publicitários que ditam o ideal de corpo e os filmes que criam a ilusão de um coito perfeito sem ensaios; a internet e as dating apps, a criar agora a sensação de fracasso sexual a quem não quiser acompanhar a sua pedalada.
Todos os fatores apontados poderão influenciar a nossa mente, sem darmos conta, com algumas pressões desajustadas, baseadas em utopias de “macho latino”, “castidade feminina”, ideais de beleza ou de procriação, criando esquemas cognitivos disfuncionais. Os pensamentos eróticos são esmagados por preocupações com a penetração, com o guião do ato (como um filme) e com a avaliação pelo parceiro/a (como um rating). Tais cognições são profundamente geradoras de ansiedade, antes, durante e depois de um ato sexual, retirando-lhe o prazer ou tornando impossível o desenrolar fisiológico natural, desde o desejo e excitação até ao orgasmo. Depois vêm as respostas emocionais de culpa, revolta e frustração. Esta situação clínica é mais frequente do que aparenta e a perceção que temos é que apenas uma pequena parte chega aos cuidados médicos, enquanto muitas pessoas permanecem com a sua vida prejudicada na esfera pessoal e relacional.
A cultura, os costumes, o meio e a geografia que fazem parte de cada indivíduo não o poderão condenar ao que quer que seja. Numa cultura onde é valorizada a condição humana, o seu estudo científico, assim como a dimensão biopsicossocial de saúde, a sexualidade sai a ganhar.
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