Obesidade, a culpa é só minha?

Compreender o excesso de peso e a eficácia da cirurgia bariátrica.

A obesidade e o senso comum

Quando olhamos para uma pessoa obesa, fazemos suposições sobre o quanto ela come e o pouco que se exercita, julgando ser por isso que ela está obesa. No entanto, o que está por trás da obesidade é muito mais do que aquilo que inicialmente podemos imaginar, sendo preciso entender melhor a obesidade. É amplamente aceite que o peso corporal é determinado por uma fórmula bem simples, a equação de balanço de energia, que é o equilíbrio entre o número de calorias que consumimos e o número de calorias que queimamos. Se consumirmos mais calorias do que aquelas que gastamos, o nosso peso aumenta; se acontecer o inverso, o nosso peso diminui. Assim, a maioria das pessoas pensa que se controlarmos o nosso equilíbrio de energia nos manteremos magros, enquanto que as pessoas que comem demais e fazem pouco exercício se tornam obesas. Este tipo de pensamento faz supor que a obesidade é uma escolha de estilo de vida e que a cura é simples: comer menos e fazer mais exercício. Isso poderá parecer lógico, mas está errado.

Ponto de ajuste: o papel do cérebro no controle da obesidade

Em primeiro lugar, temos de falar no conceito de set point (ponto de ajuste). Esta é uma teoria que diz que não importa o que queremos conscientemente que o nosso peso seja, o nosso cérebro sabe quanta gordura nós deveríamos ter disponível. O cérebro tem um sistema complexo que regula a entrada e o gasto de energia para nos mantermos na faixa do ponto de ajuste da gordura corporal. Então, a fórmula de balanço de energia não é algo que podemos controlar voluntariamente. O nosso cérebro regula a quantidade de calorias que entram e que saem. Para o nosso cérebro fazer isto, ele precisa de saber quanta energia nós temos disponível o tempo todo. E ele sabe disso por “escutar” as hormonas, como a leptina, que é produzida na nossa gordura corporal. E a leptina é apenas uma parte deste quebra-cabeças. Nós temos uma série de outros sinais, hormonas (por exemplo, a grelina) e sentidos que também estão envolvidos. Os nossos ossos, músculos, pâncreas, fígado, tubo digestivo e órgãos sensitivos, todos contribuem com a sua parte, comunicando com o nosso cérebro e dando a informação de que ele precisa para fazer o seu trabalho. Em suma, temos um sistema complexo que nos regula dentro de uma faixa de ponto de ajuste para a gordura corporal.

Razões para o fracasso da dieta

Então o que acontece quando decidimos fazer dieta para perdermos peso? Afinal, pessoas com obesidade deveriam comer menos, certo? Isso é o que acontece, perdemos peso, mas os níveis hormonais mudam e o cérebro ouve isso e reage, guardando toda a gordura corporal que ainda sobrou. Por isso, temos mais fome e, apesar de não sabermos, estamos a queimar menos calorias do que antes. Como podemos ver o ponto de ajuste é um caminho de sentido único: uma vez elevado, o cérebro trabalha para defendê-lo tão vigorosamente quanto defenderia um ponto de ajuste mais baixo. O cérebro não sabe que nós precisamos de perder peso. Apenas sabe que precisa de defender o ponto de ajuste atual, tornando-se mais eficiente, queimando menos energia. Isto explica por que razão tratar a obesidade com a dieta e exercício fracassa com tanta frequência na obtenção dos resultados esperados.

Fatores para a desregulação do corpo

Então se todos nós temos este sistema complexo que nos impede de perder peso, por que motivo é que ele também não nos protege de ganhar peso e de desenvolver a obesidade, em primeiro lugar? Como podemos explicar a epidemia da obesidade? É o meio ambiente moderno, com a mudança dos elementos químicos e nutrientes contidos na nossa comida, a dita dieta ocidental, a diminuição da atividade física, o aumento do stress, a alteração do padrão de sono (perturbado e desadequado) que promovem o ganho de peso, contribuindo cada um destes fatores com a sua parte. A nossa história genética única e o desenvolvimento fazem com que cada um de nós reaja de forma diferente aos efeitos do meio ambiente moderno. As pessoas com tendência para a obesidade reagem enviando sinais hormonais que elevam o seu ponto de ajuste para a gordura corporal. Não é que o seu sistema tenha parado de funcionar, está é regulado para trabalhar num ponto de ajuste muito alto. Assim, podemos pensar que a obesidade é uma resposta biológica ao meio ambiente moderno, uma doença que faz o corpo desregular para um ponto de ajuste de gordura corporal que é muito alto. Assim, para perdemos peso e não o recuperarmos, precisamos de uma forma de diminuir o nosso ponto de ajuste. E, ao invés de declaramos guerra à nossa própria biologia, necessitamos de encontrar uma forma de o nosso corpo se autorregular para um peso mais baixo. Uma opção para isto é a cirurgia bariátrica.

A eficácia da cirurgia

Vários estudos demonstraram que a cirurgia é o tratamento mais eficaz e duradouro da obesidade. Mas a forma como a cirurgia bariátrica funciona é frequentemente mal entendida, a maioria das pessoas e até mesmo alguns médicos pensam na cirurgia bariátrica em termos de restrição ou mal-absorção. Seria uma suposição razoável que a cirurgia funcionasse dessa forma, afinal os procedimentos, geralmente, consistem na combinação entre a alteração da anatomia do estômago para ficar menor, restringindo a quantidade de comida que podemos comer, e o redireccionamento do tubo digestivo, de forma a diminuir a absorção das calorias que ingerimos. No entanto, novos estudos mostram que certos tipos de cirurgia bariátrica, nomeadamente o bypass gástrico e o sleeve gástrico, afetam os sinais entre o corpo e o cérebro para diminuir o apetite, aumentando a sensação de saciedade, aumentando o metabolismo e até mesmo estimulando a preferência por comida mais saudável. Assim, a cirurgia pode mudar o ponto de ajuste da gordura corporal. Ao invés de utilizar a dieta para lutar contra o ponto de ajuste, a cirurgia pode recalibrá-lo e as hormonas, que estimulariam o ganho de peso, fazem exatamente o oposto após a cirurgia, quando o corpo se autorregula para um novo ponto de ajuste mais baixo.

Fixar para mudar

1 – O balanço de energia é complexo e altamente regulado.

2 – A obesidade é uma doença que o nosso sistema complexo que regula a gordura corporal pode desregular para um ponto de ajuste, que é muito elevado.

3 – A cirurgia bariátrica pode funcionar, mudando os sinais que regulam o ponto de ajuste da gordura corporal, permitindo que pacientes sejam bem sucedidos ao perder peso, sem o recuperar de seguida.

É hora de mudar a forma de falar sobre a obesidade, é hora de olhar além da dieta e do exercício como as únicas soluções para perder peso. No entanto, não nos podemos esquecer de que temos sempre de aliar a cirurgia à dieta e ao exercício físico, pois, são componentes complementares no processo da perda de peso e da sua manutenção ao longo do tempo. É hora de agir contra a obesidade!

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