Nova evidência a favor do

tratamento percutâneo da insuficiência mitral

Insuficiência mitral

A insuficiência mitral é uma doença muito prevalente, cuja incidência aumenta progressivamente com a idade.
Esta patologia, se não tratada atempadamente, provoca uma sobrecarga de volume do ventrículo esquerdo, com progressiva dilatação e perda de capacidade contráctil, evoluindo para uma insuficiência cardíaca refratária.
A abordagem cirúrgica foi durante anos a única opção de tratamento desta patologia; no entanto, um elevado número de doentes, por idade avançada e pela presença de outras patologias concomitantes, é excluído por ter um risco operatório elevado.
Neste contexto, ao longo dos últimos dez anos, foram desenvolvidas várias técnicas menos invasivas que permitem o tratamento de doentes com maior risco.

Tratamento com “Mitraclip”

O Mitraclip é de momento o sistema de reparação percutânea da válvula mitral mais utilizado e com a evidência científica mais sólida.

É constituído por um cateter introduzido pela veia femoral (portanto, sem necessidade de uma abordagem cirúrgica), que permite a implantação de um ou mais clips entre os folhetos da válvula mitral, reduzindo a regurgitação. O procedimento é realizado sob monitorização ecográfica e angiográfica, sendo sempre possível avaliar a posição do dispositivo, a eficácia do resultado e a necessidade de otimização com implantação de clips adicionais. Sendo um procedimento realizado por acesso venoso e com controlo de imagem contínuo, a incidência de complicações é muito baixa.

A evidência científica sobre este procedimento é significativa: o estudo EVEREST II, por exemplo, demonstrou que o Mitraclip se aproxima dos excelentes resultados da cirurgia em doentes com insuficiência mitral primária ou degenerativa (quando existe uma alteração da estrutura da válvula, como no prolapso), mantendo um elevado perfil de segurança. Assim, nas guidelines europeias e norte-americanas este tratamento é indicado em doentes com insuficiência mitral degenerativa e com risco cirúrgico elevado.

Relativamente à insuficiência mitral secundária ou funcional, o quadro é mais complexo.

Neste contexto, a válvula mitral é estruturalmente normal e a insuficiência aparece por dilatação e deformação do ventrículo esquerdo. Os doentes com este tipo de patologia representam um desafio significativo – tem normalmente uma idade mais avançada, múltiplas patologias associadas, sintomas de insuficiência cardíaca mais graves apesar da medicação e, portanto, um prognóstico desfavorável.
O tratamento cirúrgico da insuficiência mitral funcional foi objeto de múltiplos estudos – apesar de eficaz em tratar a patologia valvular, não foi possível demonstrar impacto no prognóstico destes doentes.

Evidência clínica

Relativamente ao tratamento menos invasivo com Mitraclip, a evidência até há poucas semanas atrás provinha essencialmente de registos observacionais, que, numa população do “mundo real”, mostravam a segurança do tratamento percutâneo da insuficiência mitral e a eficácia em termos de redução da regurgitação mitral e de melhoria dos sintomas de insuficiência cardíaca.

Nas últimas semanas, no entanto, foram publicados dois importantes ensaios neste contexto: o MITRA-FR e o COAPT.
Estes estudos tinham um desenho semelhante, que visava a avaliar o impacto do Mitraclip em doentes com insuficiência cardíaca, insuficiência mitral severa e já tratados com o que é considerado o standard em termos de medicação.
Os resultados foram aparentemente discordantes: no MITRA-FR a avaliação a 1 ano não mostrou benefício adicional do Mitraclip em termos de mortalidade e novos internamentos por insuficiência cardíaca; pelo contrário no COAPT a avaliação a 2 anos mostrou um benefício muito significativo em termos de redução no numero de hospitalizações por insuficiência cardíaca e também uma diferença significativa na mortalidade a favor dos doentes tratados com Mitraclip.

Contudo, uma análise mais aprofundada dos ensaios permite de perceber melhor o porquê destes resultados: o MITRA-FR incluiu doentes numa fase mais avançada da doença, com uma dilatação muito maior do ventrículo esquerdo; nestes doentes provavelmente já era demasiado tarde para obter um benefício clínico com a redução da insuficiência mitral. Além disso, os resultados do procedimento, em termos de complicações e de eficácia na redução de regurgitação mitral, foram aquém das expectativas, refletindo alguma inexperiência dos operadores.
No COAPT, pelo contrário, foram incluídos doente numa fase mais precoce de evolução da doença, com resultados consistentemente positivos em termos de mortalidade, novos internamentos, melhoria dos sintomas de insuficiência cardíaca, entre outros.

Nesta população foi claramente benéfica a redução da insuficiência mitral obtida através do procedimento em comparação com os doentes que apenas receberam a medicação.
A taxa de complicações relacionadas com o dispositivo foi baixa, confirmando o elevado perfil de segurança deste procedimento.

Impacto do “Mitraclip” na insuficiência mitral e insuficiência cardíaca

Os resultados destes ensaios permitem concluir que o Mitraclip é uma opção terapêutica com impacto significativo para os doentes com insuficiência cardíaca e insuficiência mitral severa secundária se proporcionada atempadamente e realizada por uma equipa experiente, capaz de proporcionar um bom resultado em termos de redução da regurgitação e com uma baixa taxa de complicações.

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