Infecções Urinárias
A infeção do trato urinário, conhecida como ITU, afeta milhões de doentes de ambos os sexos ao nível mundial e é a infeção bacteriana mais comum nas mulheres. Apesar de ocorrer em todas as faixas etárias, é mais frequente entre os 16 e os 35 anos de idade.
O que é uma Infeção urinária?
O trato urinário é composto pelos rins, ureteres (canais que ligam cada rim à bexiga), bexiga e uretra (canal entre a bexiga e o exterior por onde sai a urina). A urina é produzida no rim e é conduzida à bexiga através dos ureteres, ficando retida na bexiga, que vai distendendo até espoletar a vontade de urinar. Ocorre então uma contração do músculo da bexiga que empurra a urina para o exterior, através da uretra. Desde a sua produção até à emissão para o exterior, a urina é estéril, isto é, sem qualquer bactéria. Quando uma bactéria, colonizante habitual da zona genital, consegue vencer as barreiras de defesa do nosso organismo e chega até ao trato urinário, pode aí permanecer sem causar infeção (colonização) ou, mais frequentemente, causando infecção.
A ITU mais frequente é a que afeta a parte inferior do trato urinário e é designada por cistite ou infeção da bexiga. Por sua vez, uma infeção que afete o rim (trato urinário superior) é designada por Pielonefrite. Os sintomas mais comuns da cistite são sensação de peso no baixo ventre, ardência ao urinar (disúria), micções muito frequentes (polaquiúria), vontade de urinar apesar de a bexiga se encontrar vazia e, geralmente, não cursa com febre. As pielonefrites são infeções mais graves que se apresentam com os mesmos sintomas de uma cistite, mas aos quais acresce febre, náuseas, vómitos e dor em um dos flancos. Nas pessoas idosas ou muito novas, os sintomas podem ser muito ligeiros, dificultando o diagnóstico. Muitos doentes idosos admitidos no serviço de urgência, com quadros de depressão do estado de consciência, prostração e/ou confusão mental, sem queixas urinárias específicas, apresentam cistites, motivo pelo qual é mandatória a exclusão deste diagnóstico. O diagnóstico pode ser difícil de efetuar apenas pelas queixas apresentadas pelo doente, uma vez que pode existir infeção com poucos ou nenhuns sintomas atribuíveis ao trato urinário. Alguns doentes apresentam urina com cheiro intenso, turva, com pus ou com saída de sangue.
Fatores de risco
As ITU ocorrem mais frequentemente no sexo feminino por apresentarem uma uretra (canal entre a bexiga e o exterior) mais curta e por apresentarem uma maior proximidade do ânus. Outros fatores de risco englobam diabetes mellitus, obesidade e relações sexuais. A litíase renal (cálculos renais) pode condicionar obstrução da via urinária, com retenção de urina no trato urinário, que, se infetada, pode condicionar quadro clínico grave de pielonefrite obstrutiva, tratando-se de uma emergência médica a necessitar de intervenção urgente por Urologia para remoção cálculo/ colocação de cateter no ureter que permita a saída da urina infetada. A presença de algália também favorece o aparecimento de infeções urinárias, motivo pelo qual se deve proceder à sua remoção assim que clinicamente possível e, caso não tenha indicação, deverá ser efetuada a sua troca regular. Outros fatores de risco são também as situações clínicas que condicionam obstrução ao fluxo normal de urina, como, por exemplo, nos casos de aumento da próstata com compressão da uretra, e nos homens com fimose (quando o prepúcio não pode ser completamente retraído para expor totalmente a glande) por maior dificuldade da saída de urina que fica mais tempo estagnada na bexiga.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico de infeção do trato urinário é efetuado através de uma análise à urina, chamada sedimento urinário, onde se encontram leucócitos (glóbulos brancos) aumentados. Geralmente, é colhida também uma amostra de urina para exame microbiológico (Urocultura), o qual nos permitirá identificar a bactéria responsável pela infeção, bem como prescrever os antibióticos aos quais a bactéria é sensível, podendo demorar até 5 dias para obter este resultado. O diagnóstico resulta assim da conjugação das queixas apresentadas pelo doente (sintomas) e/ou alterações no sedimento urinário.
As infeções urinárias são causadas, sobretudo, por agentes bacterianos e, menos frequentemente, por fungos. As bactérias responsáveis pelas infeções urinárias são as normalmente presentes na flora intestinal e na mucosa genital, sendo a mais frequente a Escherichia coli (uma bactéria Gram negativa também conhecida como “colibacilo”). Outras bactérias que também costumam ser identificadas são a Klebsiella sp, a Pseudomonas sp e o Proteus mirabilis.
Uma vez que a urocultura é um exame demorado e nem sempre permite isolar a bactéria, mesmo em caso de infeção, e que os processos infeciosos devem ser tratados o mais precocemente possível, o início de terapêutica antibiótica será empírico (presuntivo), sendo a escolha do antibiótico dependente da sensibilidade das bactérias mais frequentemente encontradas neste tipo de infeções, acrescido de ponderação, se existirem outros fatores, como uso recente de antibióticos, alergias conhecidas, patologias associadas e medicação usual (sobretudo uso de medicamentos depressores da imunidade).
As cistites não complicadas constituem a maior parte das infeções do trato urinário e são geralmente tratadas em ambulatório, com antibiótico oral e de curta duração (3 a 5 dias). As cistites complicadas e as pielonefrites, geralmente, carecem de internamento, sobretudo, se associadas a cálculo renal a obstruir a saída da urina e/ou se associadas a algum indicador de gravidade da infeção (hipotensão, desidratação, prostração, baixo débito urinário, insuficiência renal, entre outros). Nestes casos, usam-se antibióticos por via endovenosa e, geralmente, por um maior período (em geral, 7 dias). Nos casos de infeções recorrentes e/ou complicadas, deve ser equacionada a resolução completa da infeção, com exame de sedimento urinário e urocultura, 10 dias após a suspensão da antibioterapia.
Prevenção
Um dos mecanismos de defesa do sistema urinário é o fluxo constante de urina, responsável pela “limpeza” constante de bactérias que, eventualmente, possam entrar na via urinária. Qualquer processo facilitador desse fluxo ajuda na prevenção de infeções, pelo que a ingestão hídrica adequada (mínimo de 1,5-2 L de água/dia) e o tratamento de condições médicas, como hipertrofia benigna da próstata, com fármacos que facilitem a eliminação de urina, são medidas preventivas de infeções urinárias. Não se deve reter a urina demasiado tempo, sendo conveniente urinar a cada duas ou três horas. Por outro lado, a higiene adequada na região genital diminui drasticamente a quantidade de bactérias que naturalmente existem nesse local. De entre as medidas que se podem concretizar contam-se lavar as mãos antes e após urinar, na higiene feminina, após urinar, e no duche a limpeza deve ser sempre na direção de trás para a frente (para evitar transportar as bactérias da região anal para a uretra), durante o período menstrual os pensos higiénicos e tampões devem ser trocados várias vezes (o sangue menstrual é um meio de proliferação de bactérias). Os homens deverão igualmente ter em atenção a higiene peniana, tendo o cuidado de retrair o prepúcio durante o duche. Para mulheres que sofrem de infeção urinária, após atividade sexual, recomenda-se ingerir água antes e depois da relação, para que, após o ato, esvaziem a bexiga o quanto antes.
Preocupações emergentes
A maior parte das infeções urinárias são cistites não complicadas em doentes jovens e saudáveis, pelo que na maior parte dos casos podem ser dispensados exames urinários e poderão ser medicados pelo seu médico assistente de modo empírico. Tratando-se de uma patologia muito frequente e com sintomas amplamente conhecidos, os doente têm a tendência a fazer um “autodiagnóstico” e a adquirirem os antibióticos mais frequentemente utilizados (fosfomicina, nitrofurantoína ou trimetoprim/sulfametoxazol) sem ter em conta os vários fatores decisivos na escolha do antibiótico. A banalização e uso indiscriminado de antibióticos para tratamento de sintomas urinários, que até poderão não ser verdadeiras infeções, favorece a emergência de bactérias cada vez mais resistentes aos antibióticos e aumenta a probabilidade de ocorrerem complicações.
Apesar de as infeções urinárias serem na maior parte das vezes situações de simples resolução, deve recorrer sempre ao seu médico assistente para um diagnóstico e tratamento mais dirigido. Os doentes com infeções de repetição devem ser devidamente orientados no sentido de optimização de todas as medidas preventivas.
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