Fraturas da anca
O que são e como se tratam!
Nunca vivemos tanto e tão bem! A esperança média de vida, em Portugal, atingiu os 81 anos em 2021 e, numa boa percentagem da população, estes 81 anos são vividos de forma ativa e integrada na sociedade. Contudo, no outro lado da balança, vamos encontrar um aumento de doenças fortemente ligadas ao envelhecimento, como é o caso da Osteoporose.
Caraterizada pela diminuição da massa óssea e deterioração da microarquitectura do osso, a osteoporose é a principal responsável pelo aumento da fragilidade óssea e, consequentemente, do risco de fraturas. A sua prevalência, na Europa, pode chegar aos 23% e, com ela, chegam também as fraturas do fémur proximal (anca), úmero proximal (ombro), rádio distal (punho) ou coluna vertebral.
Estima-se que até 2040 as fraturas de fragilidade óssea dupliquem, com as fraturas do fémur proximal a encabeçar a lista das mais nefastas, não só pelo seu importante impacto na qualidade de vida dos doentes, podendo condicionar a necessidade de institucionalização temporária ou definitiva, mas também pela elevada taxa de mortalidade que lhes é atribuída.
A incidência das fraturas do fémur proximal nas mulheres supera a dos homens, em cerca de 6 a 8 vezes, sendo que tal se deve, por um lado, à maior longevidade, por outro, a um conjunto de alterações hormonais no período pós-menopausa, com consequente aumento da fragilidade óssea.
O mecanismo de lesão mais comum passa por uma simples queda da própria altura com trauma direto da anca ou com rotação forçada do membro inferior. Histórias frequentemente ouvidas no Serviço de Urgência Hospitalar relatam quedas a meio da noite, a caminho da casa de banho, tropeções em tapetes ou nos próprios chinelos, tonturas e queda após sair da cama rapidamente.
Clinicamente, carateriza-se por uma dor súbita referida à anca, região inguinal ou região glútea, por vezes, com referência também a dor no joelho do mesmo lado. O paciente não tolera mobilização da anca e, normalmente, os pés não se apresentam em posição simétrica, quando deitado.
O exame clínico e o exame radiográfico são suficientes para o diagnóstico. A radiografia da bacia, anca e fémur/joelho são frequentemente requisitados para avaliação da fratura e planeamento do tratamento; a Tomografia Computorizada raramente é necessária, salvo raras exceções em que o traço de fratura é pouco evidente ou apresenta envolvimento de outras estruturas, como é o caso da bacia.
O tratamento conservador (sem recurso a cirurgia) raramente é proposto. Exceções poderão ser fraturas apenas do Grande Trocanter (imagem 1), sem afetação da funcionalidade dos músculos glúteos ou fraturas em doentes, nos quais a intervenção cirúrgica represente um risco de vida inaceitável.
A primeira fase do tratamento centra-se no conforto, alívio sintomático e relaxamento muscular para que se possa planear e individualizar a cirurgia e respetivos componentes/ próteses, conforme o paciente em causa. O objetivo primordial será sempre restabelecer a qualidade de vida prévia à fratura, e este só será atingido se houver o envolvimento de cada doente e da família que o apoia nas decisões tomadas, para que, no final, a estratégia oferecida seja a que melhor se adequa às suas expectativas.
As fraturas do colo do fémur (imagem 2) implicam uma interrupção da circulação sanguínea à cabeça do fémur (um dos elementos que constitui a articulação da anca), a partir do momento em que se verifica desvio dos topos de fratura, o que condiciona a morte das células que a constituem.
Nos casos em que tal desvio não se verifica, que são menos frequentes, o cirurgião pode optar por fixar a fratura com parafusos ou com um dispositivo chamado Compression Hip Screw (imagem 3). Contudo, esta opção terá de ser individualizada para cada paciente, uma vez que o seu sucesso estará dependente de outras patologias que este possa ter.
Quando a fratura apresenta um desvio significativo, a colocação de uma prótese passa a ser necessária. Nestes casos, o cirurgião, em conjunto com o doente e os familiares, terá de decidir se a melhor opção terapêutica passará por uma substituição total da anca ou apenas uma
substituição parcial e, dentro destas, se deverá ser cimentada ou não-cimentada (algumas próteses implicam a utilização de um cimento biológico para a sua fixação ao osso). Cada um dos casos tem vantagens e desvantagens e cabe ao médico explicar em que consiste cada uma e transmitir a sua opinião sobre qual será mais benéfica.
Por outro lado, dentro das fraturas do fémur proximal, encontramos frequentemente fraturas transtrocantéricas/ intertrocantéricas que, por se encontrarem numa localização anatómica distinta do colo do fémur, são tratadas de forma diferente.
Os dispositivos disponíveis para o seu tratamento são os Compression Hip Screws, à semelhança das fraturas do colo do fémur sem desvio, e as Cavilhas Endomedulares (imagem 4).
A sua escolha prender-se-á, sobretudo, com algumas caraterísticas da fratura, as quais poderão influenciar a estabilidade destes mesmos dispositivos e, portanto, é responsabilidade do cirurgião informar o doente sobre o que melhor se adequa ao seu caso.
No pós-operatório, deve ser privilegiado o levante do doente. A taxa de complicações associada a este tipo de lesões e cirurgias diminui de forma importante quando é possível mobilizar o doente para um cadeirão 24h a 48h após a cirurgia. Uma série de pormenores técnicos poderão fazer variar a rotina nos cuidados prestados após a cirurgia, bem como a possibilidade de realizar, ou não, carga no membro afetado. A ferida cirúrgica deve ser vigiada por um enfermeiro habilitado ou pelo cirurgião, mantendo especial atenção a possíveis sinais de complicações, como infeção ou trombose venosa. É recomendada ainda a utilização de medicação antiagregante ou anticoagulante, com início no pós-operatório imediato, em dose e duração que pode variar mediante o fármaco e outras patologias do doente.
A reabilitação através da fisioterapia não é mandatória e depende fundamentalmente da evolução do doente, bem como das suas expectativas, relativamente à recuperação funcional. Esta tem como principal objetivo devolver a mobilidade, equilíbrio e força muscular perdidos pela fratura e agressão cirúrgica.
As fraturas do fémur proximal são uma das consequências mais graves da osteoporose e representam um importante problema de saúde pública nas sociedades ocidentais. A principal arma de que dispomos é a prevenção, seja por manter um estilo de vida ativo, seja por adotar uma terapêutica farmacológica ou mesmo por pequenas medidas que diminuem o risco de quedas. O tratamento da fratura, quando esta já ocorreu, está a cargo do cirurgião ortopédico e este dispõe de uma série de opções adaptadas às caraterísticas de cada indivíduo e capazes de devolver a qualidade de vida ao paciente que o procura.