Ecografia obstétrica: indicações e limitações

O que é a ecografia obstétrica?

A ecografia é um exame médico que permite a aquisição de imagens em tempo real, através de ultrassons, isto é, ondas sonoras com uma frequência muito superior àquela que o ouvido humano consegue perceber. É um exame seguro e, por isso, de eleição para avaliação do desenvolvimento fetal na gravidez. A qualidade da informação obtida, graças à melhoria da imagem dos ecógrafos, à aplicação do Doppler e à possibilidade de adquirir imagens 3D/4D, permitiu aumentar, nas décadas recentes, a acuidade do diagnóstico precoce de malformações fetais e/ou complicações ao longo da gravidez.

Todas as grávidas têm indicação para realizar ecografia?

A nível mundial, é consensual a recomendação para todas as grávidas serem alvo de avaliação ecográfica ao longo da gravidez. Contudo, a frequência dessa avaliação varia entre países. De acordo com a Norma 023/2011, da Direção Geral de Saúde, atualizada em 21/05/2013, em Portugal, é preconizada a realização de três ecografias ao longo de uma gravidez considerada de baixo risco, isto é, uma gravidez normal. Este número pode ser superior, consoante a existência de doença (na mãe ou no feto) e a evolução da gravidez.

Em que momentos da gravidez se devem efetuar as ecografias?

A realização de cada uma das três ecografias recomendadas deve acontecer num intervalo de tempo específico, definido de acordo com o objetivo de cada uma delas.

A primeira ecografia, ou ecografia do 1º trimestre, deve acontecer entre as 11 e as 13 semanas e 6 dias; tem como principais objetivos avaliar a existência e correta localização da gravidez, a vitalidade fetal, o número de fetos (e placentas), a idade gestacional (medida do comprimento crânio-caudal), a translucência da nuca, a anatomia fetal, a pesquisa de marcadores ecográficos (caraterísticas do feto que podem sinalizar a presença de doença) e excluir/identificar anomalias no útero e/ou anexos da grávida. Esta ecografia é particularmente relevante no diagnóstico de gestações não evolutivas e de malformações fetais graves. Ela permite o cálculo do risco de aneuploidias (entre as quais, a mais frequente é a trissomia 21), em conjunto com a análise bioquímica do sangue materno – rastreio bioquímico. A integração dos resultados ecográficos com a idade materna e a análise do sangue materno permite o cálculo do risco de alterações cromossómicas no feto e suspeitar, eventualmente, de outras malformações e/ou situações de risco aumentado ao longo da gravidez. Em alternativa, esta avaliação de risco pode ser efetuada com recurso a pesquisa de material genético fetal na circulação materna (fDNA) com um rigor de deteção muitíssimo elevado. Estas situações suspeitas são orientadas segundo protocolos de avaliação específicos e individualizados, implicando, muitas vezes, a necessidade de uma vigilância e deabordagem muito especializadas.

A ecografia do 2º trimestre, ou ecografia morfológica, deve ter lugar entre as 20 e 22 semanas de gestação e tem como principal objetivo a avaliação da anatomia fetal. Deve, por isso, incluir a estimativa do peso fetal e a descrição do crânio e cérebro, face e pescoço, tórax (designadamente coração e pulmões), abdómen (parede abdominal, fígado estômago, intestino, rins e bexiga), coluna vertebral, membros superiores e inferiores, cordão umbilical e placenta, bem como genitais externos. A idade gestacional recomendada para esta avaliação anatómica tem por base a teórica facilidade de execução e visualização das diferentes estruturas fetais, evitando repetição de exames e permitindo, em casos de malformação fetal grave, a interrupção da gravidez dentro do prazo legal.

A ecografia do 3º trimestre, realizada entre as 30 e 32 semanas de gestação, visa avaliar o crescimento e bem-estar fetal, assim como diagnosticar possíveis anomalias fetais com expressão tardia. Assim, inclui a medição de várias estruturas para o cálculo do peso fetal, avaliação do líquido amniótico, placenta e cordão umbilical. Esta avaliação não é realizada por rotina em todos os países, mas revela-se importante para o diagnóstico de fetos com restrição do crescimento ou potenciais anomalias que impliquem uma vigilância individualizada, com planeamento do parto em centros com condições de apoio neonatal avançado.

A realização de ecografias ao longo da gravidez poderá não se limitar às três protocoladas. Perante determinadas queixas da grávida, história pessoal ou familiar, ou face ao diagnóstico de alteração, em alguma das ecografias descritas, está recomendada a realização de ecografia dirigida que esclareça e oriente a situação em causa (como, por exemplo, a ecocardiografia fetal e a neurossonografia). A ecografia permite, ainda, orientar determinados procedimentos obstétricos, sejam eles terapêuticos ou diagnósticos (por exemplo, biópsia de vilosidades coriónicas e amniocentese).

‘Ecografias normais’ são sinónimo de ‘feto normal’?

As malformações fetais – o principal alvo do diagnóstico pré-natal e a grande preocupação dos casais – estimam-se ocorrer em cerca de 2% das gestações. São eventos, na sua maioria, esporádicos, mas podem estar relacionados com alterações familiares, e acontecem desde sempre. A aplicação sequencial dos exames ecográficos descritos e o acompanhamento médico das grávidas permitiram diagnosticar a nível pré-natal (antes do nascimento) muitas destas alterações que, antes, eram apenas conhecidas ao nascimento. Ainda assim, e apesar da melhoria dos aparelhos de ecografia e do aumento do conhecimento e experiência dos médicos que se dedicam à ecografia obstétrica, estima-se que globalmente apenas cerca de 45% das malformações fetais sejam diagnosticadas no período pré-natal.
Este facto é explicado por diversos fatores. Em primeiro lugar, nem todas as doenças que podem afetar um feto ou recém-nascido se traduzem em alterações da anatomia que possam ser identificadas numa ecografia. Em segundo lugar, a ecografia tem, em si mesma, várias limitações:
I – é um exame dependente do operador, ou seja, depende do conhecimento e experiência do médico que a realiza (e todos, por mais experientes e conhecedores, correm sempre o risco de errar);

II. fornece um campo de visão limitado – nunca conseguimos ver a totalidade da gestação na mesma janela, mas sim, várias imagens que se vão juntando para formar uma imagem global;

III. é afetada pelo contraste limitado dos tecidos moles – a ecografia depende da reflexão e penetração dos ultrassons nos tecidos maternos e fetais para construir a imagem que é obtida, o que significa que a imagem não corresponde a uma fotografia com todos os detalhes que se pode ampliar;

IV. a imagem sofre atenuação do tecido adiposo, isto é, a barriga da mãe, nomeadamente a espessura de gordura desta, condiciona a penetração dos ultrassons e, por conseguinte, a qualidade da imagem obtida (grávidas com mais peso tendem a ter imagens ecográficas de mais difícil interpretação);

V. fatores fetais – a existência de pouco líquido amniótico, a posição do feto (e os seus movimentos) e a ossificação do crânio fetal fazem com que a avaliação morfológica possa ser mais difícil, ou impossibilitam mesmo a avaliação de determinadas estruturas fetais.

Portanto, a realização deste tipo de exames deve estar a cargo de um médico especialista em Ginecologia / Obstetrícia e que tenha reconhecida aptidão em ecografia pelo Colégio da Especialidade de Ginecologia / Obstetrícia. Adicionalmente, os pais devem ser informados que ocorrência de nascimentos de bebés com malformações não detetadas nas ecografias realizadas possa acontecer sem que isso signifique negligência médica.

Quanto mais ecografias, maior deteção de anomalias?

É ainda importante esclarecer que um maior número de ecografias realizadas não aumenta necessariamente a taxa de deteção de anomalias. A execução de ecografias sem indicação médica, por “ecografistas” que são muitas vezes técnicos não habilitados, é desaconselhada, de forma unânime, pelas várias organizações mundiais dedicadas a esta matéria. Estas são “ecografias que apenas servem para fins recreativos, para mostrar o bebé ao casal/família ou obter imagens para recordação.
Por um lado, este tipo de exames não segue orientações de qualidade na sua execução, e respetiva construção de relatório, pelo que um exame dito normal pode condicionar uma falsa noção de segurança; por outro lado, a identificação de alguma malformação, num ambiente em que os intervenientes não estão preparados para a sua interpretação e orientação, criará ansiedade desnecessária. Adicionalmente, a exposição fetal a ultrassons, além do limite temporal e de frequência dos exames recomendados, expõe o feto a efeitos vibratórios e térmicos cuja segurança não é absoluta, pelo que, principalmente no 1º trimestre, se recomenda uma avaliação tão curta, quando necessária para aquisição da informação pertinente e evicção do uso do Doppler.

Qual o papel das grávidas no diagnóstico pré-natal

Por último, o papel das grávidas é muito importante no diagnóstico pré-natal. Planear adequadamente e iniciar atempadamente a vigilância da gravidez, fornecer uma história pessoal e familiar completa, iniciar a suplementação vitamínica recomendada, suspender (sob supervisão médica) medicamentos potencialmente prejudiciais para o feto, ter hábitos de vida saudáveis (nomeadamente evicção tabágica, alcoólica e controlo do peso), cumprir o agendamento dos exames protocolados, reveste-se de grande importância para evitar anomalias fetais e aumentar a acuidade do diagnóstico pré-natal de malformações. Mais ainda, ter noção das várias limitações dos exames atualmente disponíveis para diagnóstico pré-natal de malformações, nomeadamente da ecografia obstétrica, é fundamental para gerir expectativas, esclarecer adequadamente dúvidas e evitar ansiedade e desentendimentos na comunicação médico-grávida.

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